Cross Dimensions : Extended Ways to Comprehend Spaces

Inúmeras dimensões compõem a trama de significados presentes no entendimento do que é um terreiro de candomblé. Estão presentes nessa trama um entrecruzamento de relações de força, território, fé, constituição e preservação de memória, que foram, e são, muito importantes para a afirmação da identidade negra no Brasil. Por este e outros motivos, o terreiro nesta pesquisa, assume a dimensão complexa e diversa que possui, mas não só isso, é também apresentado como síntese de um pensamento e de um jeito de existir no mundo.

O que já sabemos, conforme estudos de pesquisadores como Carneiro, Sodré, Albein e Da Silveira, é que ele não deve ser compreendido somente como um espaço religioso ou como um cenário onde as ações religiosas dos candomblecistas (ou filhos-de-santo) acontecem. O terreiro é um espaço-território-lugar, como descreveu Julia Moura (2019), em seu estudo no qual propõe uma análise do espaço do terreiro e seus significados dentro do campo da Geografia Cultural. 

Ela diz ainda: “O espaço compreende todas as dimensões da humanidade e suas interações e conexões. No terreiro estas conexões se dão uma vez que é um espaço sagrado e mítico que, em si reproduz também aspectos sociais, políticos e econômicos.”O terreiro possui uma organização socioespacial própria, que dialoga eimprime suas características no urbano e com ele se relaciona para além dedicotomias entre o sagrado (templo) e o profano (cidade). (MOURA, 2019)E se caracteriza enquanto território porque é um espaço demarcado na cidade, como afirma Sodré (1988). Segundo a geógrafa, o terreiro de candomblé também pode ser compreendido enquanto lugar, uma vez que a relação e o sentimento dos fiéis com aquele local específico onde estão fundados os assentamentos das entidades é bem significativa, não pode este ser reproduzido em qualquer outro lugar sem perdas simbólicas. 

A relação dos adeptos com o lugar-terreiro em que foram iniciados emespecífico é relevante também, uma vez que no candomblé, a partir doprocesso de iniciação, o filho-de-santo passa a ter um assentamento do seuorixá individual no terreiro, que deve ser continuamente reenergizado. (MOURA, 2019, p. 3).

No meu entendimento, o terreiro de candomblé, além de tantos significados já explicitados aqui, também possui outras dimensões que estão ligadas à sua terra, seu território. Inclusive também possui outras nomenclaturas que o designam enquanto espaço, como roça e ilê. Este significado diz respeito à própria constituição primeira do candomblé no Brasil, ou seja, o consenso em que se dá essa convivência de pessoas, tendo como resultado a fundação desta religião.

Vale relembrar que em África o culto aos orixás era feito em diversas partes do continente. Cada território tinha seu orixá – ou ancestral a ser cultuado. Já no navio negreiro, essas etnias foram misturadas para que tivessem dificuldade em se comunicar e planejar sua liberdade por conta dos entraves da diferença linguística. Essa desarticulação entre o grupo de pessoas negras escravizadas causou feridas profundas e ainda está presente em nossa contemporaneidade, de forma subjetiva, e é sempre um cenário no qual precisamos pensar estrategicamente como romper. Como criar pontes que conectem esta diáspora, apesar de nossas diferenças, de nossas distancias.

Afirmo, portanto, que o candomblé nasce de um consenso, pois foi preciso este entendimento entre os negros escravizados, ainda que eles cultuassem divindades diferentes, teriam que se unir para preservar esse culto de forma coletiva. E é daí que surge o candomblé.

Certamente, outras questões como a preservação dos saberes ancestrais, a memória da sua terra deixada à força e a vontade de manter uma conexão com seu território também se faz necessidade junto a questão espiritual e religiosa do culto aos orixás.Olhar para os terreiros com intuito de reconhecer sua riqueza, compreendendo suas múltiplas dimensões, é expandir as formas de compreender a arquitetura e contribuir para sua preservação, e para a nossa própria, como parte da natureza que somos.Aqui estas dimensões se cruzam no espaço e estão representadas em forma de tempo em espiral (concha), a casa, as plantas e o planeta terra.